Todos nós sabemos o que é uma faca, objecto cortante composto de um cabo e uma lâmina afiada. Simples não é? Na produção de artigos de cutelaria, a utilização de novos materiais e novas técnicas de fabrico, é em grande parte uma tentativa para que a produção se torne mais rentável, mas também a melhoria da qualidade do produto é importante. Os cuteleiros artesanais têm contribuído para a evolução da faca, como ferramenta e objecto de arte. Sempre inovando tanto a nível de design como de materiais, e ao mesmo tempo fazendo surgir um universo de colecionadores, interessados na história, nas artes aplicadas na peça de cutelaria, artes essas que podem ir da escultura ao scrimshaw à gravação e até à joalharia, além de todos os trabalhos do couro relacionados com a realização de bainhas para o transporte e protecção da faca.

 

 

 

 

Evolução e novos materiais

 

  Mas no universo da cutelaria, desde a primitiva lâmina de silex, até ao aço carbono e mais recentemente o aço inoxidável. A evolução e a utilização de novos materiais tem sido uma constante, materiais como o aço damasco (se é que podemos chamar novo material a um aço já utilizado há centenas de anos), as lâminas de cerâmica, os polímeros, o titânio, a estelita, etc., têm vindo a ser cada vez mais utilizados. O cabo ou punho, independentemente do seu design e o facto de ser mais ou menos ergonómico, além dos materiais de que é feito, madeira exótica ou não, osso, marfim de elefante oumamute, chifre, madrepérola ou os novos materiais plásticos, o carbono, a micarta, etc. Também a forma como será fixado o punho à lâmina apresenta diversas possibilidades, ditadas pela utilização que iremos dar à faca, a estética desejada ou até o economizar o material da lâmina. Conforme a utilização que iremos dar à nossa faca assim teremos necessidade de maior solidez no conjunto punho/lâmina. Sem dúvida alguma o modelo integral é o mais robusto devido ao facto de que a espiga é a continuação da lâmina. Para trabalhos mais delicados, e em que não sejam feitos esforços de “alavanca” ou de torção, qualquer um dos outros tipos de espiga podem ser utilizados, não é no entanto verdade absoluta a maior fragilidade de todos os outros tipos de espiga dependendo da espessura da lâmina e da espiga e também de um bom desenho da espiga.

 

Tipos de espiga

 

1. Integral / Full Tang

 

 

2. Espiga oculta / Hidden tang

 

 

3. Meia espiga / Push tang

 

 

 

4. Meia espiga Japonesa

 

 

 

 

Lâminas

 

As lâminas podem ser fabricadas maioritariamente de três formas:

  • Forja (forjing): O método mais antigo, e sem dúvida o que se reveste duma maior mística, no qual o metal é levado ao rubro numa forja e depois batido, numa bigorna repetidamente até se atingir a forma desejada. Apesar deste método ser o mais lento as lâminas assim obtidas podem atingir qualidades excecionais.
  • Desbaste (stock removal): Por meio de mós de esmeril ou cintas de lixa, uma barra de metal é desbastada até à obtenção do produto final.
  • Estampagem (stamping): Utilizada maioritariamente na produção em massa, o alto custo do ferramental é facilmente diluído nas grandes quantidades assim fabricadas, consiste num processo efetuado a quente no qual uma chapa é colocada sobre uma matriz e submetida a uma prensagem. Este processo é a evolução tecnológica da ancestral forja.

 

Tipos de desbaste

 

Existem diversas formas de desbastar a lâmina de forma a torná-la afiada, subordinado sempre à utilização e também ao gosto estético do fabricante ou do público-alvo. Observando a Figura, podemos verificar:

  1. Plana (flat): Desde as costas da lâmina até ao fio, talvez uma das formas de desbaste mais antiga e mais comum, utilizada nas facas cozinha.
  2. Duplo bisel (taper): Meio da lâmina até ao fio, o desbaste amplamente feito nos puuko, faca tradicional dos países nórdicos.
  3. Bisel (chisel): Apenas um lado da lâmina é desbastado, podemos vê-lo nas facas japonesas de sushi.
  4. Côncavo (hollow): Dois desbastes côncavos formam uma lâmina fina, muito utilizado na cutelaria de autor e nas navalhas de barbear, pois apesar de ser um pouco frágil, o seu poder de corte é superior, aliado ao lado estético, muito apreciado.
  5. Convexo (convex): O desbaste forma uma lâmina convexa, afiada e forte como nas facas de talhante, que cortam a carne e podem cortar também os ossos, utilizando a faca como um machado.

Tipos de desbaste

 

Nomenclatura da faca

 

Observando a figura, ficaremos a saber identificar cada uma das partes da faca e a sua função:

 

 

Balanço (balance): A maneira como o peso da faca é distribuído, normalmente o equilíbrio encontra-se na guarda ou no ricaço. Se o ponto de equilíbrio for para lá desses pontos a função dessa faca será essencialmente de percussão.

 

Lâmina (blade): Tudo que está á frente da guarda ou do punho conforme o caso, sendo o comprimento da lâmina medido desde a ponta até á dita guarda ou do punho.

 

Sangradouro (blood groove): Este canal na lâmina é um dos mitos da cutelaria, contrariamente ao que o nome parece indicar ele não serve para drenar o sangue ou facilitar o retirar a faca depois de rematar um animal, mas sim para retirar peso à lâmina e também conferir mais robustez à mesma.

 

Virola (bolster): A principal diferença da virola e da guarda é que a virola não oferece grande proteção à mão, serve essencialmente como decoração e de elemento de equilíbrio para alterar o balanço.

 

Botão de punho ou pomo (butt cap): Além de servir para o balanço da faca poderá servir também como defesa ou para em situações de sobrevivência esmagar plantas ou fibras ou ainda partir frutos secos.

 

Falso gume (clip): Pode ou não ser afiado encontra-se especialmente nas facas tipo Bowie e a sua principal função é facilitar a penetração.

 

Fio ou gume (edge): O fio de um instrumento cortante é definido pelo seu angulo de afiação, quanto menor for este ângulo maior será o seu poder de corte, no entanto esse angulo deve sempre ser de acordo com o emprego para a qual pretendemos usar. Grosso modo como é evidente uma navalha de barbear tem um ângulo de afiação e um machado terá outro completamente diferente, devido a que um é um instrumento de corte com uma função específica, e o machado uma ferramenta normalmente de percussão caso o seu gume for demasiado fino perde o poder de corte rapidamente pode “virar” o fio ou até quebrá-lo.

 

Desbaste (grind): A maneira como a lâmina foi desbastada tornando-a mais fina para facilmente afiar o gume.

 

Guarda (guard): Separa a lâmina do punho, serve de decoração e proteção evitando que a mão resvale para a lâmina, no caso de estarmos a falar de uma faca para defesa a guarda será usada de maneira a evitar que a faca do oponente atinja a nossa mão.

 

Punho (handle), aperto (grip), cabo (hilt): Numa faca o punho terá entre 9 cm e 12 cm de comprimento de acordo com a mão do utilizador e o trabalho a que se destina.

 

Rebites (pins). Normalmente de metal prendem o punho à lâmina.

 

Ricaço (ricasso): Esta porção de lâmina não afiada entre a guarda e o gume mantendo a grossura inicial da lâmina ajuda à resistência do conjunto. Normalmente é o local onde os cuteleiros imprimem a sua marca. Serve também para apoiar o dedo quando se pretende fazer cortes com alguma precisão.

 

Costas da lâmina (spine): A parte não cortante da lâmina paralela ao fio.

 

Trabalho de lima (fille work): Entalhe feitos, ou não, com uma lima ornamentando as costas da lâmina.